Qual o
verdadeiro peso das notícias falsas?
Estima-se
que, durante as eleições americanas, informações mentirosas tiveram mais de 8
milhões de compartilhamentos no Facebook. Especialista afirma que fenômeno
pode, sim, influenciar a opinião pública.
Desde a surpreendente vitória de Donald Trump nas
eleições para a Casa Branca, a atenção da mídia se voltou para o fenômeno das
notícias falsas, numa tentativa de entender o seu impacto no processo eleitoral
americano.
No Facebook, entre agosto e 8 de
novembro, data da eleição americana, as "fake news" ganharam mais
atenção do que os sites de notícias convencionais, de acordo com o
editor-fundador da empresa de notícias digitais Buzzfeed, Craig Silverman.
Foram "notícias" como
"papa declara apoio a Trump" ou "agente do FBI que expôs e-mails
de Hillary é encontrado morto". Textos com correções também circularam,
mas nada comparado às dezenas de milhares de vezes em que as mentiras foram compartilhadas –
muitas vezes inadvertidamente – nas redes sociais.
Segundo Silverman, que cita dados
coletados do Facebook, as notícias falsas tiveram 8,7 milhões de
compartilhamentos na rede social, reações e comentários, enquanto as notícias
convencionais obtiveram 7,3 milhões.
Na ânsia de se detectar as
influências da polarizada eleição americana, rapidamente, surgiram na rede
social e nos sites de notícias acusações afirmando que as "fake news"
teriam sido usadas para enganar deliberadamente o eleitorado. Isso levou o CEO
do Facebook, Mark Zuckerberg, a anunciar novas medidas para combater o
fenômeno.
"Após as eleições, muitas
pessoas estão se perguntando se as notícias falsas contribuíram para o
resultado e qual seria a nossa responsabilidade em impedir elas se espalhem.
Essas são questões muito importantes e eu me importo profundamente em
corrigi-las", postou Zuckerberg.
O fundador do Facebook afirmou
que "mais de 99% do que as pessoas veem é autêntico", referindo-se
aos feeds de notícias dos usuários da rede social.
"Dito isso, não queremos
nenhuma fraude no Facebook. Nosso objetivo é mostrar às pessoas o conteúdo que
elas vão achar mais significativo, e os usuários querem notícias precisas. Já
começamos a trabalhar para que a nossa comunidade possa identificar fraudes e
notícias falsas, e há mais coisas que podemos fazer", explicou Zuckerberg.
Alguns críticos afirmam que a
política editorial poderia filtrar conteúdo considerado importante para
movimentos sociopolíticos, como o "alt-right", um grupo de ideologia
de direita visto como uma força motriz por trás da vitória eleitoral de Trump.
Mas dúvidas relativas a seus
objetivos políticos surgiram na esteira da bem-sucedida campanha de Trump, que
muitas vezes chegou próxima do incitamento ao ódio contra minorias nos EUA,
condenando notícias convencionais como tendenciosas.
Mudar, manipular, deslegitimar
Bart Cammaerts, professor de
mídia e comunicação na London School of Economics, diz que a ameaça das
notícias falsas está na sua capacidade de espalhar sentimentos populistas e
transformar a opinião pública, minando as regras da mídia tradicional.
"A diferença entre a paródia
e as notícias falsas está na intenção. A produção de 'fake news' não se destina
a criticar ou zombar de algo, mas serve antes a objetivos que são inerentemente
manipuladores, muitas vezes para mudar a opinião pública ou deslegitimar algo
ou alguém", explica Cammaerts.
"Isso tende a ir de mãos
dadas com o populismo, com a promoção de várias teorias de conspiração, a
rejeição de especialistas e uma rigorosa crítica dos meios de comunicação, que
em todas as partes tende a enfatizar o factual em suas reportagens",
acrescenta.
O professor da London School of
Economics aponta para um fenômeno similar na Alemanha, onde grupos
anti-imigração e de extrema direita, como a Alternativa para a Alemanha (AfD) e
o Pegida, acusam a mídia tradicional de distorcer propositadamente as suas
posições, chamando-a de die Lügenpresse – "a imprensa da
mentira".
"Como os alemães são mais
conscientes, esse surgimento da política pós-factual, e tudo que vem junto, não
é novidade. Ele remete a uma época fascista e antiliberal, que também foi
racista, autoritária e acusava a mídia de ser 'die Lügenpresse'", aponta
Cammaerts.
Na Europa, problema já é
combatido
Em 2015, o órgão fiscalizador dos
direitos da mídia na Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE)
publicou uma reportagem criticando a propaganda disfarçada de noticiário, que
acabou prejudicando a aproximação entre a Ucrânia e a Europa após a saída do presidente
Viktor Yanukovich.
A propaganda em questão empregou
táticas semelhantes às usadas pelos sites de notícias falsas durante as
eleições americanas, incluindo manchetes enganosas, citações fabricadas e
declarações incorretas, o que levou a União Europeia (UE) a criar uma
força-tarefa para "abordar as campanhas de desinformação em curso por
parte da Rússia."
Segundo Cammaerts, notícias
falsas têm sido usadas para angariar apoio a várias causas políticas e
representam uma grave ameaça para as sociedades democráticas, seja na Europa,
nos EUA ou em qualquer outro país do planeta. Mesmo o direito à liberdade de
expressão, muito elogiado pelos seguidores de sites de notícias falsas, tem os
seus limites, afirma.
"A liberdade de expressão
nunca é uma liberdade absoluta, nem mesmo nos EUA com sua doutrina da Primeira
Emenda. Embora espalhar e fazer circular notícias falsas seja parte da
liberdade de expressão de alguém, é uma obrigação democrática das organizações
de mídia expor esse fato e se opor ativamente contra isso, o que pode
significar também a recusa à sua divulgação", diz o professor.
"Acho que o Facebook e
Twitter têm responsabilidades editoriais, e por isso é válido que eles
ativamente combatam a propagação de notícias falsas. Mas tais decisões editoriais
devem ser transparentes", conclui.
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