De
sem-teto a milionário: homem que inspirou o filme À Procura Da Felicidade
divide seu maior conselho
Chris
Gardner fala sobre pobreza, racismo e a importância de não querer ser outra
pessoa
Por
Paula Zogbi 11
set, 2017 13h48
SÃO
PAULO – Parte da história é célebre: Chris Gardner, aos 28 anos, se encontrou
sem emprego,
pai solteiro, morando na rua. Mas nem tudo o que foi retratado no filme À
Procura da Felicidade ocorreu exatamente daquela maneira na vida real. O filho
de Gardner, por exemplo, tinha 14 meses na época retratada, e não 5 anos.
“A
coisa mais difícil era o cuidado com o bebê”, conta Gardner, em entrevista ao InfoMoney.
“Eu tinha que sair todos os dias, deixa-lo aos cuidados de uma pessoa que eu
não conhecia e torcer para ele estar vivo no final do dia”, completa.
Nascido
em família de poucos recursos, Gardner conta que o filme “por melhor que tenha
sido, foi sobre um ano” de sua vida, e portanto não aborda muitos dos aspectos
mais relevantes de sua trajetória. Um deles, por exemplo, é a mudança de
perspectiva após a morte da esposa, há 5 anos.
Para
falar sobre os primeiros 27 anos de sua vida e sobre os passos seguintes, o
empreendedor lançou o livro À Procura da Felicidade e participa de eventos como
palestrante. Neste
mês, comparecerá ao Congresso Mundial de Desenvolvimento
Pessoal e Profissional (National Achievers Congress), que ocorre nos dias 23 e
24.
Gardner
falou sobre racismo, crise financeira, inspirações e o segredo do sucesso ao InfoMoney.
“O segredo para mim foi estar mais perto do dinheiro
que os outros caras. E isso significa que uma transação, uma venda ou uma
compra, não poderia acontecer sem que eu fizesse parte do processo”. Confira, a
seguir, a íntegra:
InfoMoney:
Pode contar um pouco sobre sua experiência antes das ruas e enquanto ficou sem
abrigo? Como se deu essa situação e quais eram as maiores dificuldades?
Chris
Gardner: Primeiramente, deixe-me dizer uma coisa. Esse filme, por melhor que
seja, foi sobre um ano das nossas vidas. Eu tinha 28 anos de idade. É por isso
que estou tão feliz pela possibilidade de escrever o livro, para falar dos
primeiros 27 anos.
Uma
das maiores diferenças entre o filme e a vida real é que no filme o ator que
interpreta meu filho tem 5 anos de idade. Eles fizeram isso para ajudar com os
diálogos. E a verdade é que meu filho tinha 14 meses de idade, ele ainda usava
fraldas. Isso muda tudo. E a coisa mais difícil que eu tinha que fazer todos os
dias como um pai trabalhador, sem teto e solteiro, era os cuidados com a
criança. Pense nisso: se você tem um bebê dessa idade você não pode ir
trabalhar. Então a coisa mais difícil era deixar meu menino com alguém que eu
não conhecia e torcer para que tudo estivesse bem.
IM:
Como vocês chegaram a esse ponto, de precisar morar nas ruas?
CG:
Tudo o que poderia dar errado deu errado ao mesmo tempo. Eu tive uma entrevista
em Wall Street para trabalhar como estagiário durante um ano.
E então o cara que me fez a oferta foi demitido no dia anterior ao que eu
deveria começar. Ninguém mais sabia quem eu era ou por que eu estava lá, e eles
não ligavam! E eu tinha largado meu emprego anterior achando que eu iria para
Wall Street. Então eu percebi: “não, você não vai para Wall Street e você não
tem um emprego! Agora você tem que ir para casa e contar isso à sua esposa”.
E
a mãe do meu filho nessa época havia terminado a graduação de direito, não
tinha passado no Exame da Ordem. Eu era a esperança dela, e eu não tinha um
emprego. Então a moral da história é: o desemprego
não vai ajudar seu relacionamento (risos).
IM:
Nesse ponto da sua vida, Wall Street era seu sonho?
CG:
Ah, sim, eu me apaixonei por Wall Street. Mas o sonho verdadeiro era ser
referência mundial em qualquer coisa que fizesse na minha vida. Não bom, não
muito bom, mas referência. E eu tinha apenas que achar aquela coisa que me
fizesse bem da mesma forma que a beleza fazia.
Meu
primeiro sonho na vida era me tornar Miles Davis. Essa foi minha primeira
ambição na vida. Mas minha mãe me ajudou a entender: “você não pode ser Miles
Davis. Já existe um e ele já conseguiu esse emprego”. Então isso me ajudou a
focar: eu não podia ser Miles Davis, mas eu poderia ser como ele: referência no
que eu faria com a minha vida. E quando eu encontrei Wall Street, eu
instantaneamente me apaixonei por isso da mesma forma que me apaixonei pela
música. E essa é a chave, fazer o que você ama.
IM:
Como foi o processo para começar a trabalhar na Bear Stearns & Company,
primeira companhia de Wall Street que o contratou após a experiência nas ruas?
E como foi sua passagem por lá?
CG:
Ah, o processo foi simples. Eu conheci um cara que trabalhava na Bear, Stearns.
E a coisa mais importante que uma pessoa pode ter nessa situação não é um M.B.A
e sim algo que chamamos de P.S.D (poor, smart, desire) – que significa pobre,
inteligente com um grande desejo de se tornar rico (risos). E eu tinha qualificação para essa posição. O
que faz disso tão incrível é que o cara que me deu a primeira grande
oportunidade em Wall Street é ainda um dos meus melhores amigos e iremos começar
um novo negócio em breve, com o qual estou realmente muito animado.
IM:
O senhor pode nos contar o que é?
CG:
Não. Mas posso dizer “ka-ching” [simulação de barulho de máquina registradora]
(muitos risos).
IM:
Você diria então que viver nas ruas foi um fator importante para conseguir esse
emprego? Teria sido da mesma forma caso contrário?
CG:
Absolutamente. Foi importante não apenas para conseguir o emprego, mas para eu
me tornar empreendedor. E as pessoas dizem “por quê?”. Pense a respeito: quando
você não tem casa, você não tem recursos.
Quando
começa um novo negócio, tem recursos limitados. Então você já está na frente no
jogo, por causa dessa experiência. E quando você não tem casa, isso força você
a ser muito bom com os seus recursos, da mesma forma que acontece quando você
começa um novo negócio. Então a experiência de viver na rua realmente me ajudou
a ser empreendedor.
IM:
E foi fácil largar uma carreira em grandes empresas para criar sua própria, a
Gardner Rich?
CG:
Não, não, não. Não foi fácil, nunca será fácil, mas foi a coisa mais bonita que
eu já fiz na vida. Pense nisso: a Bear Stearns não existe mais. Ela faliu com a
crise econômica [de 2008]. Quando eu disse aos meus chefes
que eu deixaria a empresa para começar um novo negócio, eles me disseram que eu
era louco, que isso jamais aconteceria. Ele me disse: “ninguém que se pareça
com você já fez algo como o que você está dizendo que vai fazer”.
Você
sabe o que é louco? Eu tive que vender minhas ações na Bear Stearns em 1986
para começar minha companhia. Eu consegui um preço maior por ação nessa época
do que eles conseguiram quando precisaram vender para o JPMorgan em 2008. Isso
é louco. Então às vezes você precisa ser um pouco louco.
IM:
O que ele quis dizer com “alguém que se pareça com você”?
CG:
Alguém que se parecesse comigo: “você é afro-americano, você é um homem negro.
Não vai haver ninguém nesse negócio em Wall Street para fazer as coisas que
você está dizendo que vai fazer. Ponto. Isso nunca foi feito. Você vai competir
com titãs e gigantes. Vai competir conosco, com o Goldman Sachs, Morgan
Stanley, Merrill Lynch”. E sim, eu ia. E sim, eu fiz.
E
todas essas empresas que eu citei ou mudaram ou não existem mais. O mundo mudou.
O Merrill Lynch agora pertence ao Bank of America, precisou ser vendido.
Goldman Sachs não é mais um banco de investimentos, ele agora é um banco. Ele
teve que mudar. O Morgan Stanley não é mais um banco de investimentos, ele teve
que mudar e agora é um banco. A crise financeira pegou todos nós. Quem
sobreviveu, mudou.
IM:
Quando iniciou a empresa, você continuou sentindo esse preconceito? As pessoas
o tratavam diferentemente de seus competidores, assim como seu antigo chefe
tratou?
CG:
Não. E você quer saber por quê? Porque eu era tão bom no que eu fazia que a
única cor que importava era o verde (risos). Certo? Essa é a única cor que
importa. Se você mostrar para as pessoas que você consegue fazer dinheiro,
consegue fazer verde, não existe preto, não existe branco.
IM:
Mas existem negros que sentem esse racismo ainda hoje? Você vê isso com força
nos Estados Unidos?
CG:
Com certeza, não há dúvidas. Mas você perguntou sobre mim. Eu era realmente
muito bom. O segredo para mim foi estar mais perto do dinheiro que os outros
caras. E isso significa que uma transação, uma venda ou uma compra, não poderia
acontecer sem que eu fizesse parte do processo. E todo mundo sabia disso, porque
eu tinha criado uma relação melhor com o dinheiro. Então você precisa se
colocar nos níveis mais altos possíveis da forma mais alta possível. E isso
significa que toda vez que uma caixa registradora fizer barulho, você precisa
estar naquele lugar (risos). Esse é o segredo. O cara precisa saber que ele vai
fazer dinheiro, mas que você vai fazer antes.
IM:
O filme sobre a sua vida foi um novo ponto de virada? Ajudou você a espalhar
essa fama?
CG:
Ah, ele mudou tudo. Antes eu tive uma grande mudança de vida, mais importante
que o filme, quando cinco anos atrás – cinco anos, dois meses e cinco dias
atrás eu perdi minha esposa para o câncer cerebral. E algumas das últimas
conversas que tivemos consistiram nela dizendo para mim “agora que podemos ver
como a vida pode realmente ser curta, o que você fará com o resto da sua?” Isso
me fez mudar minha perspectiva. Ela faleceu no dia primeiro de julho, e no dia
dois de julho eu saí de Wall Street.
O
que era importante para mim havia mudado, o que eu sabia havia mudado. E o que
eu posso fazer agora, incrivelmente, é participar de eventos como o NAC no Brasil
para falar às pessoas ao redor do mundo sobre a importância de buscar a
felicidade em seus termos.
IM:
Você mudaria alguma coisa na sua experiência de vida? Gostaria de ter passado
por uma trajetória mais fácil?
CG:
Não. E essa é a coisa mais importante que eu divido com as pessoas. Eu não
mudaria, porque eu acredito que se você mudar uma coisa, tudo o que acontecer
depois mudará depois. Por exemplo, no filme, aquela cena onde eu conheço o cara
que me ajudou com o emprego, ela na verdade aconteceu em um hospital, onde eu
estava trabalhando. E eu saí da porta – em hospitais, quantas portas existem?
Há muitas para entrar e sair –, se eu saísse de uma porta diferente, eu nunca
teria encontrado esse cara. Se eu fosse para a esquerda, em vez da direita,
nunca o haveria conhecido. Então não, eu não voltaria atrás e mudaria algo.
IM:
O senhor já falou um pouco sobre isso, mas o que o senhor ensinará para as
pessoas que assistirão à sua palestra no Brasil?
CG:
Que as experiências mais importantes em todas as nossas vidas são as
universais. E que somos todos mais parecidos do que diferentes. Durante os momentos
mais importantes, desafiadores e empoderadores das nossas vidas, o local onde
você está no planeta é secundário em relação a onde o seu espírito está.
Alguns
exemplos: o nascimento de um filho, sua graduação, seu casamento,
um novo emprego ou oportunidade de negócio, uma nova casa, o amor de alguém que
se ama. Essas são as experiências que criam a humanidade. E essas experiências
são iguais caso você more em Boston ou no Brasil. O sentimento é o mesmo, não
importa onde você esteja: então somos mais semelhantes do que diferentes.
IM:
Quem são suas maiores inspirações na vida?
CG:
Minha mãe. Minha mãe me ensinou que eu poderia fazer ou ser tudo. E isso faz
parte do sonho universal que eu disse. Há pais ao redor do mundo que dizem isso
aos seus filhos. E isso é parte do novo sonho universal.
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