Angela
Davis fala sobre libertação negra, sua história e sua visão contemporânea
Publicado
há 1 dia - em 23 de fevereiro de 2016 » Atualizado às 9:40
Categoria » Mulher Negra · Questão Racial
Categoria » Mulher Negra · Questão Racial
Cinquenta anos depois da fundação
do Partido Pantera Negra de Auto-defesa , a agenda e o estilo da lendária
organização revolucionária Negra permanecem relevantes no debate público
atual. A erradicação da “violência policial e do assassinato de
negros”, essencial ao movimento “Vidas Negras importam” (“Black Lives Matter”),
constava da plataforma de dez pontos dos Panteras Negras cinco décadas atrás.
Tanto a aclamação e a condenação emergiram quando suas icônicas boinas pretas
surgiram recentemente na apresentação da Beyoncé durante o intervalo do
campeonato Super Bowl.
Por Tatiana
Bustamante, do Imprensa Feminista
É evidente que os Estados Unidos
ainda estão amarrados às mesmas desigualdades e injustiças raciais de 50 anos
atrás – e que o orgulho negro permanece um tema polêmico. Tal não surpreende a
intelectual, ativista, ícone feminista e parceira dos Panteras Negras, Angela
Y. Davis.
“Ao lermos os dez pontos do
programa do Partido Pantera Negra, constatamos que os mesmos temas do período
pós-escravocrata estão no centro de um programa elaborado em 1966”, aponta
Davis, atualmente professora emérita da Universidade da Califórnia, Santa Cruz.
“Em 2008, quando Barrack Obama foi eleito, esses temas não foram discutidos o
bastante e, definitivamente, não foram solucionados, portanto a eleição de uma
pessoa a um cargo político não reverte automaticamente a história de uma
opressão econômica resultante do racismo, o que não significa que não tenha
sido importante eleger Barack Obama, mas que a batalha continua.”
Na semana passada, na Espanha,
enquanto defendia a libertação do político separatista bascoArnaldo Otegi, Davis
dedicou alguns momentos à EBONY.com para discutir temas contemporâneos como o
“Black Lives Matter”, a eleição presidencial de 2016, e detalhes de seu mais
recente livro “Freedom is a constant struggle:
Ferguson, Palestine and the Foundations of a Movement” (Haymarket
Books, 2016), editado pelo ativista pelos direitos humanos Frank Barat.
“Estive envolvida no movimento
Palestine Solidarity por muito tempo”, disse Davis. “Quando os protestos de
Ferguson ocorreram, há um ano e meio, ativistas no terreno da Palestina ocupada
foram os primeiros a expressarem, no Tweeter, seu apoio aos manifestantes em
Ferguson. Disso decorreram conexões transoceânicas muito interessantes e
ricas. Uma delegação palestina visitou Ferguson. Ativistas do Black Lives
Matter e de Ferguson, (assim como membros do) Dream Defenders, Black Youth
Project 100 viajaram à Palestina, cerca de um ano atrás, para expressar sua
solidariedade.”
EBONY.COM: Qual é a mensagem
do seu novo livro?
Angela Davis: Estou
particularmente interessada em fazer com que os ativistas ligados ao movimento
pela liberdade Negra se deem conta de que nossas lutas jamais teriam alcançado
a universalidade atual, não fosse a solidariedade da África, Ásia, América
Latina, Europa e Austrália. Nossas lutas são globais, assim, é importante que
incorporemos essa visão global às nossas batalhas no terreno contra os crimes
cometidos pela polícia e o complexo prisional industrial. Desde muito jovem
estou envolvida em organizações – o Partido Comunista, o Partido Pantera Negra
– dotadas dessa perspectiva global.
EBONY.COM: Conforme destacado em
seu livro, os acontecimentos em Ferguson depois dos disparos da polícia contra
Michael Brown expuseram a militarização das forças de ordem. Aonde chegou esse
incentivo à militarização e como pode ser interrompido?
Angela Davis: Quando se
observa a história da polícia, principalmente ao longo dos últimos 15 anos,
após o 11 de setembro, pode-se verificar uma ênfase na transferência de
recursos das forças armadas para a polícia. Essa é uma história muito mais
longa se analisarmos como a Guerra do Vietnã resultou em impactos na polícia
local. Os esquadrões SWAT surgiram em decorrência do uso de técnicas e
tecnologia aplicadas pelos Boinas Verdes na Guerra do Vietnã. O Departamento de
Polícia de Los Angeles foi o primeiro a usar tais táticas contra o Partido
Pantera Negra. Também emergiram as corporações de policiamento privatizadas. No
livro, menciono o G4S (“Group 4 Security” – Grupo para a Segurança), uma
corporação de segurança privada que disseminou policiamento e detenção por todo
o mundo. É importante não olhar apenas para a forma como momentos de imposição
do terror foram conduzidos por departamentos de polícia, mas é também essencial
entender a dimensão econômica de tais processos. A G4S, obviamente, é a
terceira maior empresa do mundo, e o maior empregador no continente africano.
Está vinculada, historicamente, à privatização das prisões nos Estados Unidos e
em outros lugares.
Gostaria de destacar que empresas
como a G4S já reconheceram o que as feministas denominam “interseccionalidade”.
A G4S vai de policiamento privado ao transporte de imigrantes a prisões
privadas, à deportação de pessoas oriundas do México, nos Estados Unidos, para
a fronteira mexicana, deportação de africanos da Europa para países na África.
Acredito que a G4S tenha lidado com a questão da violência sexual contra
mulheres, então criaram agências que tratam de mulheres ameaçadas ou que foram
vítimas de violência sexual.
Eu menciono esse aspecto pois há
uma lição para nós de que a noção feminista de interseccionalidade deve ser
integrada também em nosso trabalho. Prefiro falar em interseccionalidade de
lutas, e como é importante vincular o combate à violência de gênero à luta
contra a violência de Estado, crimes da polícia e crimes contra os corpos das
mulheres.
EBONY.COM: Você fala de como
as bases que já foram lançadas permitem que os movimentos de massa de hoje
sejam eficazes. Contudo, muitos dos atuais grupos liderados por ativistas do
novo milênio rejeitam as estruturas tradicionais de organização. Então como
aquelas bases lhes podem ajudar a criar mudança efetiva?
Angela Davis: Jovens estão
em busca de fóruns a partir dos quais eles possam expressar uma urgente
necessidade de mudança radical. Eles questionam a máxima de que liderança deve
ser individual e masculina. Estão lidando com novos modelos coletivos de
liderança.
Pode-se notar a ascensão de
muitas mulheres à liderança. Naturalmente, há as três mulheres que criaram o
Black Lives Matter – Patrisse Cullors, Opal Tometi and Alicia
Garza – que levantaram muitas questões interessantes sobre o que significa
construir liderança. No Black Youth Project 100 há a Charlene Carruthers que é
uma porta-voz potente, mas que sempre esclarece que fala por um coletivo. No
Dream Defenders, desafiam as formas hetero-patriarcais. Questionam o impacto do
sexismo e da homofobia e todas essas ideologias em sua geração.
Para aqueles da minha geração,
tais processos soam estranhos, mas, claro, o Movimento pelos Direitos Civis
desenvolveu de forma diferente dos movimentos que o precederam. Os movimentos
dos anos 1930 liderados principalmente por comunistas negros (cuja história foi
apagada justamente em função do anticomunismo) desafiaram a liderança que viera
antes, então trata-se de um processo que acontece. É animador testemunhar o que
poderá resultar do movimento atual.
EBONY.COM: O que você pensa
a respeito da candidatura do ativista Deray McKesson, do Campaign Zero, à
prefeitura de Baltimore?
Angela Davis: Os grupos
mencionados tiveram impacto na condução das eleições nacionais e foram
alvo de críticas sobre como os candidatos não abordaram questões ligadas a
racismo e como a polícia segue agredindo pessoas e comunidades negras. Ativismo
deve ocorrer em todas as áreas, inclusive naquela eleitoral. Não é produtivo
pensar que tudo está orientado para a política eleitoral. Mas é certamente
importante contar, nas eleições, com indivíduos que tenham experiências
progressistas ou no âmbito de movimentos radicais.
EBONY.COM: Haveria um
candidato específico que você apoiaria nesta eleição presidencial?
Angela Davis: Eu sempre tendo a
priorizar uma política independente, mais radical, mas realmente acredito na
importância de que Bernie Sanders toque em temas que, de outro modo não seriam
abordados no contexto de uma campanha entre os dos maiores partidos.
É absolutamente essencial
levantar temáticas como a descomodificação da educação e [a necessidade da]
educação gratuita. E, obviamente, ele apela em favor de uma educação gratuita
em nossas universidades públicas, o que possuem uma história de gratuidade. São
atualmente privatizadas como universidades particulares. A história do apelo em
prol da educação pública relacionada à luta pela liberdade Negra traz lições
importantes. Antigos escravos pediram por educação pública gratuita no Sul,
criando, assim, o contexto para que estudantes brancos e pobres tivessem acesso
à educação.
E, naturalmente, há a questão da
assistência de saúde. Eu concordo plenamente com a ideia de um sistema de saúde
gratuito e de único-pagador (“single-payer health care”). E há questões mais
amplas sobre o complexo industrial prisional que não foram discutidas. É
preciso levantar o assunto do fim do encarceramento em massa, mas também
questionar o racismo embutido em toda a história da punição neste país.
Sheryl Huggins Salomon é
escritora do Brooklyn, baseada em Nova York, editora e consultora de mídia
digital.
Tradução livre do artigo: “Angela
Davis Talks Black Liberation, History and the Contemporary Vision” Tatiana Bustamante: Carioca de formação jurídica,
funcionária pública, atualmente no exterior.
Nenhum comentário:
Postar um comentário