Violência
contra a Mulher: Duque de Caxias para Estômagos Fortes
Publicado
há 3 dias - em 14 de março de 2016 » Atualizado às 15:10
Categoria » Violência contra Mulher
Categoria » Violência contra Mulher
Eu comecei meu rolê na Praça do Skate de Nova
Iguaçu, em 1996. Queria estar no meio daquela cultura chamada de “alternativa”,
mas havia bem poucas garotas, que raramente tinham papéis importantes dentro
dessa história. Eu insisti, encarei os desafios e aqui estou vinte anos depois.
Só bem mais tarde entendi que eu era uma feminista, o que possibilitou a auto
construção do meu ser nesse espaço. Mas o feminismo é uma prática que traz
consequências. Eu também as encarei por toda minha trajetória. Implicações que
me trouxeram o aprendizado, o conhecimento, a transformação de mim mesma, das
minhas ações no mundo.
por Giordana
Moreira no Lurdinha
Por isso decidi escrever esse
depoimento, que é um compartilhamento de uma das experiências mais duras que
tive na vida, promovidas pelo machismo e também pelo feminismo que estão aí no
nosso cotidiano. Também decidi escrever para dar um ponto final nesse triste
capítulo da minha passagem. Mas, principalmente, porque é uma questão ética e
um compromisso com minha própria trajetória.
Nesse processo de promoção da
prática feminista no meio da produção cultural o espaço qual me encontrava – a
cena cultural da Baixada Fluminense – me proporcionou a experimentação de uma
metodologia de produção de cultura antissexista onde os homens estariam em
contato direto com nossas construções. Eu acreditava que o contato deles com
empreendimentos feministas iriam, no mínimo, informa-los sobre o novo mundo
onde o machismo não será mais tolerado, já que nos espaços tradicionais de
socialização (família, escola, rua) afirma-se o contrário. Um desses homens
próximos foi meu ex-companheiro. As reflexões entre nós construíram
maravilhosas histórias, até que as consequências do feminismo se revelaram, ou
seja, seus privilégios foram contestados até o ponto de afetar seu conforto de
ser homem em nossa sociedade.
Foram dois momentos de choque com
esta consequência. Primeiro quando ele elaborou um novo projeto de vida para
ele próprio. Na tentativa de que eu mudasse meu estilo de vida para
acompanha-lo em seus novos hábitos o discurso “feministo” deu lugar a
manutenção dos seus privilégios, lançando mão da chantagem emocional, do
assédio psicológico e da manipulação dos meus sentimentos. Comecei a ser
tratada como uma coisa, uma coisa particular. Para acompanha-lo em novos
hábitos por algum tempo abri mão de visitas a minha família, receber amigos em
casa, férias, finais de semana, amigos, sair á noite… Os novos ambientes de sua
convivência me incomodavam demais, com piadas, pessoas e práticas homofóbicas e
machistas.
O segundo momento teria haver com
a ótima fase de crescimento profissional e pessoal qual atravessava. Minhas
conquistas e alegrias acabavam quando eu chegava em casa. Quando entrei na
faculdade recebi uma mensagem privada que me arrasou, e eu nunca celebrei essa
conquista. Minha liderança não era aceita em certas ocasiões. Eu passei a
receber mensagens perturbadoras pelas redes sociais e pelo telefone que
acabavam com meu dia. Meu computador foi quebrado em punição a eu ter dito
alguma coisa que ele não gostou. Um dia descobri que ele havia dado um livro
meu – feminista – de presente a uma garota, seguido de um convite para sair .
Por muito tempo ele continuou postando declarações de amor. No inicio achava
que era remorso, depois comecei a achar muito estranho o que ele insistia em
fazer.
Quando me dei conta daquela
situação passei a reagir: não abrir mão dos meus compromissos, bloqueá-lo nas
redes sociais, fazer novos amigos e sair á noite. Passei a não se preocupar
mais com “cuidar” da relação, nem da nossa casa – pois sempre foi uma responsa
minha o nosso bem estar. Ele fazia o jantar, mas isso era sempre cobrado como
um grande feito, de forma insistente. Voltar dos meus compromissos era tenso,
pois suas atitudes eram imprevisíveis. Mas a partir desta minha atitude a coisa
piorou. Quando um cara te subjuga e ofende em um jogo de assédio até o ponto
que você perde o controle sobre si mesma, e bota o dedo na sua cara, você tem
duas escolhas: aceita ou reage. Escolhi a segunda opção que nos levou a
violência física.
Dei inicio aquele processo de
separação, singular em cada um. Demorei, por dificuldades materiais, mas também
por que, para mim, não foi instantâneo descartar uma relação íntima e
solidificada. Demoradamente planejei minha saída, ainda submetida a
hostilidade, a agressividade, a xingamentos, a injurias e calunias, tudo em
reação a minha atitude, de uma mulher que estava desamando para reorganizar sua
vida. Nesse sofrimento todo emagreci treze quilos e passei as piores noites da
minha vida. Somente as pessoas que conviviam comigo percebiam que algo
acontecia, pois eu definhava. Eu não sabia o que dizer, era um misto de
vergonha por estar passando aquilo, mas também de certeza de que eu vivia um
relacionamento abusivo. O machismo é para todas, ser feminista não te torna
imune.
Com tudo planejado para sair de
casa em poucos dias, numa sexta-feira ele chegou furioso em casa, quebrou
coisas e disse que me odiava. Eu perguntei o que eu havia feito para ele ter
ódio de mim e ele não soube responder. Lembrei que nesses casos, onde não se
pode dominar o amor vira ódio. Tive um medo diferente que o habitual, peguei o
telefone e tentei pedir ajuda. Quando ele o quebrou pedi ajuda as vizinhas, que
já estavam para fora de casa prontas a me ajudar, não as esquecerei. Minha
família me buscou, o que me causa muita tristeza, pois jamais achei que os
poria nessa situação. Nunca me senti tão humilhada. Passados mais de setenta
dias eu sinto o ar entrar e sair do meu corpo como nunca senti. Minhas atitudes
e comportamentos, felicidades e decepções pertencem a mim mesma.
Fora da relação consegui perceber
a dimensão daquilo que eu estava vivendo. E era bem maior do que eu podia
enxergar. O tempo, a intensidade, o absurdo daquele abuso surpreenderam-me
ainda mais. Essa manipulação emocional, a pratica da “tática dois”, envolver
pessoas emocionalmente e seduzi-las para causas próprias. Também tive espaço e
tempo para enxergar que o discurso inicial de homem feminista se mantinha, mas
havia ganhado força na sua imagem e seus projetos. Eu já havia alertado que ele
não poderia se envolver em questões sobre direitos da mulher, pois ele próprio
praticava o machismo e a violência de gênero. Mas para minha própria sanidade
eu aguardei estar segura o suficiente para, por uma questão ética, quebrar o
silencio. Eu estava no meu tempo de acreditar que a pessoa que ate então era da
minha extrema confiança e afeto, era um abusador.
Agora quero ter a paz que tanto
me tiraram por anos. E quero que todas as mulheres saibam que o feminismo é uma
prática nossa, com consequências que nós mesmas podemos encarar e superar, como
uma experiência de transformação, para seguirmos adiante com mais força.
Tags: Feminismo
· plp
2.0 · Violência contra Mulher
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