‘Quando
os filhos acordaram, a mãe estava morta’: alta de assassinatos de mulheres
preocupa Rio Grande do Norte
Date:
06/09/2016
“Pa, pa, pa, pa”. O som dos tiros que mataram a
diarista Mykaella Ruanna Fagundes, 21, no Rio Grande do Norte, é repetido pelo
filho dela – órfão aos três anos. “Ele estava na hora que aconteceu (o crime)”,
diz uma parente da vítima à BBC Brasil. “E sabe que a mãe não volta”.
Por Renata
Moura Do BBC
Assim como Mykaella, outras vítimas,
como Ana D’Ávila, 47, Roberta, 35, Josefa, 41, Franciscris, 24, Naiara, 18,
Diana, 21, Edinete, 37, Emilia, 28, Socorro, 37 e Elidiane, 25, também não
voltam. As 11 foram assassinadas em agosto.
Além de terem ocorrido no mesmo
mês, os casos chamam atenção por uma característica comum: todos possuem marcas
de “feminicídio” – assassinatos com características
de crime passional, violência doméstica ou de gênero e que dispararam
no Rio Grande do Norte neste ano.
De janeiro a agosto, dos 67
homicídios de mulheres no Estado, 38,8% foram enquadrados nessa categoria – com
suspeita de participação de companheiros ou ex-companheiros.
Segundo dados do Observatório da
Violência Letal Intencional (Obvio), grupo de Pesquisa da Universidade Federal
Rural do Semi-Árido (Ufersa), a proporção foi quase duas vezes maior do que em
igual período de 2014 e 2015.
‘Não podemos deixar passar’
Não é de hoje, porém, que as
estatísticas de morte avançam.
O Rio Grande do Norte ostentava,
em 2004, a menor taxa de homicídios por 100 mil mulheres no Brasil (1,4%). O
indicador, no entanto, mais que quadruplicou em 10 anos, chegando a 6% em 2014
– a 11ª posição no país.
De acordo com o Atlas da Violência 2016, publicado
em março pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Fórum
Brasileiro de Segurança Pública, o ritmo de crescimento chegou a 328,57%, o
maior entre os Estados e regiões brasileiras nesse período.
“A situação chegou a um ponto que
não podemos deixar passar”, postou a Frente Feminista de Natal, capital do
Estado, em uma convocação no Facebook por estratégias que permitam frear a
violência.
Apesar disso, especialistas
apontam que a tendência é que os crimes sigam aumentando.
Para o consultor em políticas
públicas de segurança Ivenio Hermes e o sociólogo Thadeu Brandão, coordenadores
do Obvio, “o braço protetor do Estado não alcança os rincões mais distantes”.
Na visão deles, “faltam ações estruturantes do poder público estadual para
criar meios eficazes de proteção às mulheres em risco”.
Eles afirmam ainda que há casos
subnotificados e estrutura de atendimento insuficiente, como a quantidade de
delegacias específicas – há cinco – e a falta de plantões noturnos e aos finais
de semana, quando muitos desses crimes ocorrem.
Gestão
A atuação pública nessa área
também é criticada na região.
Para José Raimundo Carvalho,
professor de economia da Universidade Federal do Ceará, “ainda falta, na maior
parte do Nordeste, a visão de que segurança pública exige planejamento,
estratégia e acompanhamento através de um sistema de estatística mais
fidedigno, não só para contar de maneira correta o crime, mas para balizar
ações das secretarias”, diz.
“Tirando Pernambuco, as gestões na região têm a
visão de que segurança pública é simplesmente botar polícia. Mas é muito mais
do que isso”.
Segundo ele, no Rio Grande do
Norte e na região, os homicídios podem estar associados a questões como
crescimento do tráfico de drogas, machismo, desigualdades sociais e até à crise
econômica. “Muitos homens descontam nas parceiras até problemas de trabalho.”
Uma pesquisa que ele coordena em
parceria com o Instituto Maria da Penha e a Universidade de Toulouse, na França,
vai apresentar, em novembro, uma radiografia da violência em todas as capitais
nordestinas. Dez mil mulheres, vítimas ou não de agressões, foram
entrevistadas. O objetivo é calcular a violência física, emocional e sexual e
propor soluções em várias frentes.
A taxa de homicídios de mulheres
cresce em praticamente toda a região e a velocidade supera a do país. No caso
do Rio Grande do Norte, Helder Sant’ana Ferreira, técnico de Planejamento e
Pesquisa do Ipea, observa que os números podem significar que o Estado “demorou
um pouco mais para passar por um processo de melhoria da cobertura dos dados e
por outros fenômenos como a difusão de armas de fogo”.
“Além disso, é apontado que
alguns Estados avançaram em questões de planejamento e gestão preventivas que
teriam produzido bons resultados”, observa.
Patrulhas Maria da Penha
Para Maria das Graças Oliveira,
da Coordenadoria da Defesa da Mulher e das Minorias, vinculada à Secretaria de
Segurança Pública do RN, o Estado pretende iniciar, ainda neste ano, ao menos
dois projetos para aumentar a segurança das mulheres em situação de risco,
inspirados em experiências que funcionam em “vizinhos”.
Ela admite que faltavam políticas
nessa área, mas pondera que novas investidas devem contribuir para melhorar o
cenário, como as chamadas “Patrulhas Maria da Penha”, serviço policial
especializado em prevenção, assistência e enfrentamento da violência doméstica
e que deve ser implantado em breve no Estado.
A medida é prevista em lei desde
agosto. A expectativa é que equipes monitorem mais de perto as mulheres que são
ameaçadas de morte e contam com medidas de proteção previstas na Lei Maria da
Penha.
“Em outros Estados, esse serviço
ajudou a reduzir os homicídios. Agora estamos discutindo como vai funcionar
aqui”, diz Maria das Graças.
Outra ferramenta é um aplicativo
para celular que permitirá a essas mulheres acionar um “botão do pânico” se
estiverem sob ameaça. Um convênio entre o governo e o Tribunal de Justiça do
Estado permitirá que a estrutura do Centro Integrado de Operações de Segurança
Pública (Ciosp) e a Polícia ofereçam suporte e atendimento aos chamados de
emergência. A ferramenta também será usada para monitorar o agressor.
Outras investidas incluem, por
exemplo, uma campanha na mídia para divulgar o “Disque Denúncia” e ações de
conscientização nas escolas.
‘Divisão igualitária do trabalho’
Para Ferreira, do Ipea,
conscientizar é um dos passos para mudar o quadro no longo prazo.
“É preciso trabalhar mais
fortemente a questão de igualdade de gênero, inclusive quanto à divisão
igualitária do trabalho doméstico, e do respeito às diferenças e à dignidade
humana nas escolas (ou mesmo nas famílias e nas igrejas), bem como enfrentar o
preconceito e a subvalorização das mulheres na sociedade”.
Ele observa que, “em relação ao
feminicídio, a literatura trabalha com duas hipóteses divergentes sobre os
resultados de um maior empoderamento feminino: que ele pode levar as mulheres a
romperem mais facilmente relações com parceiros violentos e também a uma reação
mais forte desses parceiros”.
Ana Luiza Dantas, integrante do
movimento feminista em Natal, concorda que a “reação é esperada”, mas ressalta
que “as mulheres não podem se calar”.
“O que precisa acontecer é esse
empoderamento parar de incomodar os homens. E isso advém, por exemplo, de
debater gênero desde cedo para que seja difundida uma cultura mais igualitária
e não a ideia de supremacia masculina”, comenta.
‘Ele era ciumento, bruto’
A ativista foi uma das que se
mobilizaram em 1º de setembro, na capital, para protestar contra a violência e
clamar por políticas públicas.
As manifestantes carregavam
adesivos estampando “as mulheres querem viver” e placas com nomes, idades e
municípios em que morreram as 11 vítimas de agosto – mês considerado como “de
proteção da mulher” pela lei do Estado.
Na maioria dos casos, as mulheres
decidiram terminar a relação e os homens não aceitaram.
Foi assim com Elidiane Souza,
morta a facadas, em São José de Mipibu, a 31 km de Natal. “Foi um crime
bárbaro”, diz o delegado Marcos Geriz.
Segundo ele, há um mandado de
prisão contra o ex-marido.
“Ele era ciumento, bruto, e
queria voltar para ela. Eles estavam separados havia oito dias. Na noite do
crime, conversaram em casa”, conta Geriz. “Quando os filhos acordaram, a mãe
estava morta”.
Já na capital, o nome de Mykaella
Ruanna também estava em uma placa.
A vítima estava em frente a uma
academia quando foi atingida por tiros disparados de dentro de um carro. Aos 21
anos, a diarista que sonhava ser enfermeira foi o único alvo.
“O filho estava com ela. Agora,
ele não pode pegar nada que diz que é a arma. E faz ‘pa, pa, pa, pa,
imitando'”, conta uma parente, cuja identidade será mantida em anonimato para
evitar riscos.
A Divisão de Homicídios investiga
se um ex-namorado de Mykaella está envolvido no assassinato.
Em Santa Cruz, distante 111 km da
capital, outra mulher assassinada, Ana D’Ávila Oliveira, a primeira vítima do
mês de agosto no Estado.
Segundo o delegado da região,
Silva Júnior, o responsável teria sido o companheiro dela. Ana chegou a procurar
a delegacia em março, quando foi aberto inquérito de violência doméstica e o
juiz determinou o afastamento do companheiro.
Apesar da medida, o homem invadiu
a casa em que Ana vivia e a matou a facadas. Ela teria gritado por ajuda ao
vê-lo armado. Não adiantou. Dois dias depois, ele foi encontrado morto. A
polícia investiga se foi suicídio.
Especialistas ressaltam a
importância de denúncias de ameaças, agressões e descumprimento de medidas
protetivas.
O Obvio não especifica se as
vítimas deste ano contavam com algum tipo de proteção. Os assassinatos
ocorreram em ao menos 15 municípios. Só em Natal, 33 mortes violentas de
mulheres foram registradas nos últimos oito meses, das quais oito foram
feminicídios, segundo a Divisão de Homicídios e Proteção à Pessoa – e três
deles em agosto.
Os autores de quatro desses
crimes foram responsabilizados. Os demais, inclusive suspeitos nos casos mais
recentes, estão sob investigação.
Leia a matéria completa em: 'Quando os filhos acordaram, a mãe estava morta': alta de assassinatos de mulheres preocupa Rio Grande do Norte - Geledés http://www.geledes.org.br/quando-os-filhos-acordaram-mae-estava-morta-alta-de-assassinatos-de-mulheres-preocupa-rio-grande-do-norte/#ixzz4JaEr8Zy4
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